O São João em Caxias desse ano traz, além das atrações típicas do evento, como quadrilhas, bumba meu boi e sua deliciosa gastronomia, um cenário representando a cidade de Caxias de tempos atrás. Quem for ao Parque da Cidade vai ter a oportunidade de conhecer melhor um pouquinho de nossa cultura local representada por seus ‘locais de memória’, inseridos ali em forma de cidade cenográfica através de sua arquitetura.
O cenário reproduzido é uma cópia de Caxias entre os anos de 1950 a 1980. Ali estão locais importantes e pitorescos que, de uma forma ou de outra, ajudaram a moldar a sociedade caxiense.
Entre alguns podemos destacar: o prédio da delegacia que funciona no mesmo local desde o século 19 na praça Dias Carneiro, e que serviu inclusive de cenário para o filme ‘A Faca e o Rio’; o Café do Sabiá, do comerciante Pedro Leão Soares, ou Pedro Sabiá, tradicional ponto de encontro de poetas, políticos, comerciantes e fofoqueiros que funcionava na Av. Otávio Passos, em frente do atual Senadinho; Farmácia da Zazá, botica que funcionava na antiga ‘Rua das Farmácias’, hoje Rua Afonso Cunha, ou melhor, Rua do Comércio; Bomboniere Escol, também chamada ‘do Ilmar’ ou ainda, para os mais íntimos o ‘Corredor Polonês’ devido ao seu estreito corredor em que os frequentadores se aglutinavam para tomar ‘umas e outras’ e que pertencia ao comerciante Ilmar Gomes de Souza, também situada na Rua Afonso Cunha; Restaurante Riso da Noite, da famosa ‘Dona Dica’, frequentado pela juventude que saia pela madrugada das festas do Cassino e das ‘casas de tolerância’ para comer o seu famoso bife de fígado ou a linguiça caseira, ali na rua Rio Branco.
Mas o que mais atrae a atenção de quem vai a cidade cenográfica é o ‘Cabaré da Diracy’, embora seu nome oficial fosse Boate Madrid, da cafetina Diracy Barros, em funcionamento desde a década de 1960. Talvez o mais conhecido dos dias atuais, pois aquela casa funcionou até pouco depois do falecimento da Diracy em 2012. Muitos ainda sentem saudades daquele ambiente nas noites e madrugadas caxiense.
Claro que faltaram muitos outros estabelecimentos igualmente famosos e importantes, como: Bar do Profeta, Bar Operário, Bilac, Cassino Caxiense, Casa Amarela, Chica Magra, 24 horas, Calçada Alta, entre outros que, por falta de espaço, ficam para uma outra oportunidade.
Mas se faltou alguns estabelecimentos, também faltou a nossa rica arquitetura colonial, herdada dos nossos colonizadores portugueses muito bem representadas em Caxias: as casas de meia morada, morada inteira, beiral de eira e beira, azulejo, porta em ogiva, entre outros. Justamente a parte mais importante do acervo que compõe o chamado centro histórico da cidade.
E todo esse universo caxiense, do comercio as suas pessoas, está representado pelas características dos imóveis ali reproduzidos. As casas de porta e janela, o telhado cerâmico caindo para a calçada, as linhas geométricas enfeitando sua fachada, platibandas com seus elementos arquitetônicos e nomes pintados acima da porta. E não são justamente esses elementos, repletos de linguagem artística, que nos transmitem um acolhimento de nossas raízes e tradições que a globalização arranca, destrói e nos confunde com desenvolvimento e progresso?
Quem for para a Vila Junina e circular pela ‘Caxias cenográfica’ fará uma leitura, mesmo que superficial, da nossa cidade. E caso se interesse naquele momento em avançar na busca por maior compreensão de sua arquitetura e cultura em geral, verá que a realidade é bem diferente.
A configuração espacial de nossa cidade sofre com o crescimento desordenado por falta de uma política firme de preservação patrimonial e planejamento urbano, principalmente em sua área central. E são justamente esses elementos citados acima, contidos na cidade cenográfica, que mais correm o perigo de sumirem de nossa cidade.
A destruição total ou parcial de um imóvel leva também a destruição dessa configuração. Mas também se perde de outra forma, como o excesso de placas comerciais e fora de padrões que chegam até a tomar quase por completo a fachada do imóvel. As linhas arquitetônicas originais, copiadas na cidade cenográfica, estão atualmente escondidas nessa poluição visual.
O cidadão percebe e analisa o seu entorno nesse complexo emaranhado urbano. Esse verdadeiro organismo vivo nos molda diariamente, quer seja de forma positiva ou negativa. Se o momento é de conflito, o espaço central nos passa a mensagem de que a completa irregularidade é uma companheira inseparável. Então nos distanciamos de qualquer compreensão e discursão para soluções viáveis. Se ações nessas áreas são apresentadas e concluídas de forma planejada, a percepção do cidadão muda e então passamos a buscar melhores caminhos para o nosso desenvolvimento.
O que podemos aprender com a Vila Junina nesse momento? Que as formas urbanas contam a história da cidade, mantém memoria, estabelece vínculos e nos ajuda a melhor compreender o passado, assim nos referenciando para um futuro. Valorizar nossa cultura material e imaterial é uma necessidade humana. E o único meio de se garantir isso é através de políticas sérias de preservação nessa área central. Por isso é essencial compreender a importância de um projeto preservacionista, voltado ao habitante desse espaço. Ou seja, para você.
PUBLICIDADE