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História dos nossos carnavais


O carnaval é uma data consagrada em nosso calendário e que muitos consideram como a mais representativa da cultura brasileira – mesmo o carnaval não sendo invenção tupiniquim. Mas se hoje o evento é vendido pela indústria do marketing como uma grande ‘balada’, nem sempre foi assim. O carnaval no Maranhão, como nas demais regiões do Brasil, era um período de alegria em que todas as camadas sociais a reservavam para brincadeiras e estripulias. Caxias, uma cidade bastante conservadora onde a Igreja Católica mantinha total influência nos costumes sociais, tinha como grandes eventos as festas religiosas das Irmandades como o Festejo de São Benedito, trazendo grande público da área rural e cidades vizinhas. Mas o carnaval em Caxias foi ganhando espaço e se transformando em um dos eventos mais aminados do estado.

Propaganda da loja de Antônio Thadeu Assunção em 1898. Década de 1930:

Anuncio da União Operaria, marchinha do bloco Cara Preta e comunicado do Cassino Caxiense.

No Brasil a festa carnavalesca teve suas primeiras manifestações no período colonial. Era chamado de ‘entrudo’. Uma festa de rua com brincadeiras e fantasias trazida pelos portugueses em que os participantes sujavam e molhavam uns aos outros e acabou sendo adotado pelos escravos. Por ser uma festa que vez ou outra acabava em brigas e também influenciado pelos senhores que não admitiam a mistura de classes, o entrudo acabou sendo criminalizado. Isso fez com que outras brincadeiras fossem adotadas como o Zé Pereira, que originou os blocos nas ruas. No mesmo período a classe abastada realizava seus eventos, bailes e soirée em teatros, clubes e nas residências de políticos e pessoas de grande influência na sociedade.

E era esse período em que o caxiense aproveitava para extravasar nas brincadeiras, nas bebidas e comidas em abundância no período que precedia o jejum da quaresma. No fim do século XIX grandes comerciantes como o Tenente Coronel Cesar Negreiros, abriam as portas de seus palacetes para a realização de bailes a fantasia, sempre animada pela orquestra dos maestros Carimã e Coutinho tocando o melhor repertorio de quadrilha, valsa e polca. Terminada a banda, os jovens corriam atrás de outra orquestra para dar continuidade ao baile que se estendia até as quatro horas da manhã. Somente nas casas dos coronéis as festas iam até pela madrugada. Diferente dos tempos de hoje, a festa geralmente iniciava-se a tarde e terminava por volta das sete da noite. Sem energia elétrica nas casas, os foliões se recolhiam em meio as serpentinas e confetes. Menos os notívagos que se estendiam em meio a madrugada nas casas das damas da vida ou região mais periférica da cidade.

Artistas, boêmios, operários e demais trabalhadores das camadas populares se reuniam nessas áreas como o Ponte, Cangalheiro e nos largos da cidade tocando seus instrumentos musicais com muito samba, um estilo ainda desconhecido no Brasil. Em 1895 foi fundada a Academia dos Cervejistas do Samba com o lema ‘Beber sem perder a lucidez’, onde se reuniam toda segunda-feira de carnaval para relembrar os antigos sambas. O samba em Caxias é um tema que merece ser pesquisado com maior profundidade, pois aqui fazia parte da cultura popular no mesmo período em que se originava na Bahia e Rio – considerado os pais desse estilo musical.

Carnaval no século XX

Na virada para o século XX, duas bandas (A Euterpe do maestro Carimã Junior e a Lyra Comercial do maestro Antônio Dourado), saiam as ruas uma semana antes do carnaval com grupos de mascarados com suas máscaras de arame e papelão, bisnagas com agua, confete e serpentina anunciando o período das festas que se aproximava. Essa brincadeira dos dois maestros durou até meados de 1910, quando ambos faleceram. Mas tradição de saírem as ruas antes da data oficial foi seguida pelos blocos que surgiram posteriormente, e durou décadas na cidade.

O carnaval também era termômetro para medir a situação econômica e política em Caxias. Em 1902 com uma crise que fechou três fabricas em Caxias demitindo cerca de 800 operários, o carnaval foi pouco animado se reduzindo a alguns mascarados pelas ruas, muitos sem banda de música. Se algum político que assumisse a chefia da prefeitura não fosse ligado a um determinado grupo, jornais oposicionistas desacreditavam os eventos: ‘Pouco animada foi a festa esse ano’ anunciavam em suas colunas, mesmo as festas nas casas dos coronéis mais concorridas do que nunca.

Um dos locais preferidos era a praça Gonçalves Dias. Grupos de mascarados se reuniam nas portas dos casarões dos coronéis que promoviam as festas no lado de fora, pela manhã ou tarde, antes dos bailes. Dali saiam em desfile pelas ruas da cidade fantasiados de pierrô, fofão, índio, deuses do olímpio ou apenas com mascaras, sempre seguidos por duas bandas no cortejo. E a noite continuavam a folia nos salões das residências, mas reservado apenas aos convidados. Em meio as animações ainda era tradição parar a festa para momentos de trova e agradecimentos a figuras da sociedade, momento reservado aos poetas, grandes oradores e ao mestre de cerimonias que era o proprietário da casa. A violência era inexistente e nenhum crime ou ocorrência grave eram registradas nos eventos carnavalescos.

Um grande entusiasta dessa época era o coronel Raimundo Ferreira Villa Nova que realizava baile de máscaras em diversas residências. Embora importante comerciante, diretor da Companhia União Caxiense e gerente da Fábrica Têxtil Manufatura, era compositor, maestro e proprietário da orquestra Lyra do Comércio. Outro animador era o professor Nereu Bittencourt com seu grupo ‘Dragões do Averno’, que promovia batalha de flores e confetes nos bailes dos coronéis. Os rapazes interessados em participar do grupo iam até a sua casa, na rua Coelho Neto, para programar as festas.

De blocos de rua aos clubes fechados

Na década de 1930 o Brasil entrara em uma nova fase da republica que mudou toda sua estrutura política. Era o início da chamada Era Vargas. Percebendo o poder popular do carnaval, Getúlio Vargas criou regras para escolas de samba no Rio e também para as marchinhas que passaram a ter forte conteúdo nacionalista. Em Caxias os blocos de rua passaram a ser organizados na forma de clubes com associados e diretoria e os bailes, organizados por essas associações em suas sedes.

A classe operaria saiu na frente com a fundação de seus clubes: o Centro Artístico Operário Caxiense (fundado em 1910) e a União Artística e Operaria Caxiense (fundada em 1915), onde passaram a realizar nesses espaços as festas carnavalescas de agremiações de trabalhadores e artistas em geral. Em 1934 foi fundado o Cassino Caxiense com sede no sobrado colonial na praça Gonçalves Dias. O clube passou a ser o local preferido da alta classe caxienses para eventos sociais e festas, incluindo o carnaval. Blocos organizados pelas senhoras da sociedade se organizavam nas salas daquele secular casarão. No dia do Rei Momo os blocos saiam as ruas arrastando a multidão. Poetas, sambistas e boêmios escreviam marchinhas especialmente para os eventos do ano.

O ‘Clube dos Misteriosos’ que tinha o então Promotor Público de Caxias Dr. Arthur Almada Lima como grande entusiasta que organizava bailes no carnaval na residência de Vancrilio Gonçalves. Esse grupo era exclusivo para homens. O Bloco ‘Cara Preta’ realizava seus bailes na residência do coronel Trindade José Vidigal em seu casarão que era situado na atual rua Afonso Cunha Se o sócio não estivesse em dia não participava das brincadeiras. A frente da festa estava a orquestra ‘Euterpe Carimã’ com o maestro Josias Beleza, que comandava os dois dias de baile junto com outras duas, que era a Lyra Comercial e uma outra organizada entre os próprios sócios foliões. Entre a comissão organizadora do ‘Cara Preta’ além do proprietário da casa, tinham os cidadãos: Eugenio Barros, Helvécio Villa Nova, José Delfino, Nachor Carvalho entre outros. O ‘Cara Preta’ junto com o ‘Clube dos Misteriosos’ juntavam a mais alta aristocracia caxiense.

Outros blocos e bailes também eram organizados na cidade, porem na maioria de familiares e amigos de última hora, como o grupo ‘Clube do amor’ dos irmãos Josias e Durval Beleza em um palacete na rua Dias Carneiro (Rua Afonso Cunha). Outros grupos eram: ‘Queima com Água’ de Nachor Carvalho e amigos, ‘Malandro da Fuzarca’ de Waldemar Lobo, ‘União Potense’ dos moradores do bairro Ponte e ainda ‘Democráticos’, ‘Bloco do Amor’, ‘Baianas’, ‘Cariocas’, ‘É do Barulho’, ‘Eu só vou com você’, ‘Rancho do Amor’ e ‘Rancho União’. Outras figuras se destacavam pelo seu entusiasmo nesse período, como o Contador da Fábrica Industrial Caxiense, Turíbio Oliveira. Nosso memorialista Libânio da Costa Lobo nos conta em seu livro “Vulto Singular”, como era a vida desta figura da cidade: “O Turíbio, no Carnaval, adquiria outra personalidade. Diametralmente oposta a sua natural morigeração e equilíbrio. Era o Touro Ferdinando. Como fantasia, um couro de onça pintada. [...] No tríduo momesco, trocava sua morigerada personalidade por essa hilariante fantasia”.

A era sombria da ditadura do Estado Novo na Era Vargas que viria em 1937, já batia a porta em Caxias. Um ano antes o delegado de polícia Tenente Manoel do Rosário Pinheiro lançava um Edital proibindo foliões de andarem mascarados nas ruas de Caxias, sendo permitido mascaras apenas dentro dos bailes e após a devida revista policial. E ainda proibiu o desfile de blocos e bailes sem a devida permissão da polícia e fantasias que ofendiam as autoridades policiais e eclesiásticas. Foi um período de tristeza para o folião caxiense.

Voltando as ruas e o fim da era dos clubes

Com a construção de sua sede própria na rua Aarão Reis na década de 1950, o Cassino Caxiense continuou sendo o ponto de encontro da classe média e alta nos eventos carnavalescos. Frequentar o clube era exclusividade para sócios e tinham que manter as normas até mesmo fora do clube. Se o socio ou filho do sócio (que tinha direito de frequentar) participasse de bebedeiras e badernas, era sumariamente suspenso de qualquer evento no clube, correndo o risco também de ser expulso do quadro social. Era o tempo dos bailes e folias com homens de terno social, gravata e chapéu. Por mais de 30 anos o Cassino Caxiense se manteve como ponto central do carnaval da sociedade caxiense. Um dos maiores foliões e responsável pela animação dessa época era o comerciante Carlos Bezelga.

Propaganda da Casa Sul Americana anunciando a venda de lança perfume para o carnaval de 1936.

O produto seria proibido no Brasil em 1961.

No final da década de 1970 foi inaugurado pelos médicos um novo clube, a Associação Recreativa Alecrim, com estrutura moderna e amplo espaço para os foliões. Foi então que o Cassino deixou de ser o local principal do carnaval caxiense, mudando-se para o novo Clube Alecrim.

Na década de 1960/70 os automóveis como Jeep, Ford Willys e caminhões, desfilavam pelas ruas de Caxias enfeitados, assim como os carros alegóricos das escolas de samba do Rio de Janeiro, porem de forma mais simples, mas não menos animada. Entre seus passageiros estavam o Rei Momo, Rainha, Princesas do carnaval e os demais foliões. Pela década de 1980 as escolas de samba de Caxias com seus carros alegóricos desfilavam na praça do Panteon onde havia concurso de melhor desfile e premiações para as escolas.

Nos anos de 1990 o Axé Music surgiu como um furacão e tomou conta do carnaval do Brasil. Os sambas enredos dos carnavais cariocas, o frevo e as tradicionais marchinhas perderam espaço para o novo ritmo baiano. Enquanto as cidades brasileiras começaram a sair dos clubes sociais, voltando a botar os blocos nas ruas atrás dos trios elétricos, aqui em Caxias o carnaval se manteve dentro do Clube Alecrim, animado por bandas como o ‘Jomar Tempo 3’, embora tocando as novas músicas baianas do momento. No ano de 2000 jovens caxienses ainda tentaram adaptar o carnaval caxiense a nova realidade criando o ‘Bloco Babaçu’. Era um trio elétrico puxando os foliões que adquiriram o abadá do bloco, passando pelas principais ruas do centro por dois dias no carnaval. O bloco não atraiu a atenção da população e muito menos de turistas. A única atração que restou nas ruas foi o trio que o então Deputado Estadual Humberto Coutinho disponibilizava na calçada da Associação Comercial, em frente ao Excelsior Hotel. Mas apenas na parte da tarde, pois a noite a população se dirigia ao Clube Alecrim, cada vez mais vazio.

Somando a falta de planejamento de eventos nas ruas, a insistência de manter o carnaval em um clube e ainda o crescimento da violência e insegurança nas ruas, o carnaval caxiense, que era considerado o melhor do interior do Maranhão, entrou em profundo declínio, quase acabando por completo na década de 2000. Foi dessa lastimável situação que começou a serem formados blocos independentes com a intenção de levantar o carnaval caxiense independente do Poder Público, como o Canta Folia, Bloco No Limite, entre outros.

Depois de muitos anos e pedidos, finalmente Caxias abandonou o carnaval de salão indo agora realizar esse evento na avenida Alexandre Costa. Felizmente a cidade vem recuperando o folego e quem sabe possa voltar a ter os carnavais como antigamente.


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