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Malhar o Judas


Era tradição em Caxias no sábado de aleluia, malhar o Judas. Aliás, a religiosidade católica sempre foi ponto forte na cidade, influenciando diretamente a sua vida política e social até o fim do século XX. Festejos como o de São Benedito, procissões, dia santos, finados e a semana santa eram datas muito respeitadas na sociedade. Não se saia de casa, não se comia. Tinha gente que até não tomava banho. Festa? Desde quarta feira de cinzas não se fazia eventos em Caxias. Semana santa era época de verdadeiro luto. Mas tudo se encerrava no sábado de aleluia.

Quando criança nos anos 80, recordo muito bem dos bonecos representando o traidor de Jesus espalhados pela cidade. Eles pareciam os fofões do carnaval, mas ao contrário de espalhar alegria na criançada, ele representada a morte, sempre enforcado em um poste de energia ou pedaço de pau no meio da praça. Os brincantes vestiam o Judas com as roupas velhas que já não serviam mais. Calça jeans surrada, camisa social com manga longa e cabeça geralmente costurada em pano, com os órgãos dos sentidos pintados com pincel. Alguns tinham até sapatos. Por dentro estava cheio de serragens para simular um corpo humano. Alguns adultos colocavam bombons e brinquedos dentro dos bonecos para alegria da molecada. De manhazinha cedo os bonecos de Judas eram colocados nos postes das esquinas das ruas, geralmente com a corda no pescoço sumulando o suicídio, pois esta seria a forma que ele teria morrido. E na hora certa a criançada, munida de um pedaço de pau em uma das mãos, partia para cima do boneco. A malhação do Judas era um ponto alto daquele dia.

Em nossa Caxias lá pelos idos da década de 1920/30, existia uma figura de rica cultura musical, pertencente a mais famosa orquestra que já tivemos, a Euterpe Carimã, dos maestros Carimã e Alfredo Beleza. Essa figura embora tenha sido um dos maiores saxofonistas do Maranhão, era adorado pela criançada não pela maestria do som que saia do seu sax, mas da sua tradição na data de malhar o Judas. Seu nome era Paulo Almeida, ou melhor, Paulinho Almeida.

Todo sábado de aleluia o Paulinho Almeida saia de sua residência na rua São Benedito (casa ainda existente) em direção ao largo do Rosário para fazer a sua festa particular. E lá tirava ele o seu sax da caixa e começava os belos solos para a alegria de todos que para lá se dirigiam. Começava aquecendo os pulmões com notas leves, sua versatilidade no manejo do instrumento ia fazendo com que os presentes começassem a se animar até que Paulinho explodia em contagiante vibração. Entre musica e outra umas pitadas de anedotas para ir soltando ainda mais o público. Até que Paulinho puxava do bolso o famoso testamento do Judas. E ali lia defronte ao centenário templo do Rosário, lia aquelas linhas onde geralmente alfinetava os políticos locais, arrancando gargalhadas do publico geral. Após o ato, a criançada surrava o boneco de palha enquanto o Paulinho Almeida voltava a tocar seu sax quase em tom profano, diante desta data religiosa. Quando terminava, a criançada e seus pais voltavam para casa felizes da vida esperando o próximo ano e ele, ia para onde seus companheiros da orquestra Carimã, animar os boêmios da velha Caxias.

Essa figura ímpar de nossa Caxias acabou indo tentar a sorte no Rio de Janeiro, onde faleceu pobre, praticamente esquecido. Mas quem se dirigir da rua Afonso Pena para a rua São Benedito, virando o templo da igreja Presbiteriana do saudoso pastor Sillas Marques Serra, irá passar pela Travessa Paulo Almeida.

Nunca mais vi nas ruas de Caxias os bonecos de Judas amarrados nos postes do centro. Talvez nas regiões mais periféricas a tradição ainda se mantem, preservada pelas pessoas oriundas das áreas rurais.

É mais uma tradição que a cidade vem perdendo. É mais uma brincadeira que essa nova geração não conhece.

 


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