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Fábio Kerouac

Um poeta caxiense em Hamburgo

Um alcoólatra na psiquiatria alemã (trecho)


Às 10h56, fui devagar em direção à Estação Friedrichsberg para dali ir até a Barmbek, uma estação apenas em direção ao Airport/Poppenbüttel. Ao descer em Barmbek, fiquei perdido como uma barata tonta, não sabia por onde ir, para que lado ficava a Drosselstrasse, onde se encontrava o Centro de Terapia contra o Vício, em alemão STZ (Suchttherapiezentrum).

Depois de consultar meu App Maps, consegui encontrar a rua e saí à procura do número 1, este era o número do prédio no qual se encontra o centro. Cheguei ali 11h20 e fui logo dizendo para quem me atendeu:

“Eu cheguei um pouco cedo, mas eu tenho uma entrevista com Frau Stern, às 11h30”.

“Entre e sente. Se você quiser beber algo é só se servir. Frau Stern não vai demorar”, disse ela e mostrou uma pequena mesa onde se podia ver copos, xícaras, saquinhos de chá, uma jarra para esquentar água e um pequeno filtro elétrico d`água. Decidi recorrer a ele, enchi um copo com água e sentei. Ali esperei quinze minutos, apareceu Frau Stern e foi me dando um papel, ela pediu que eu o preenchesse. Ela saiu e voltou em cinco minutos, eu já tinha preenchido o formulário que perguntava, além de dados pessoais, o motivo por estar ali. Escrevi: ÁLCOOL! Na sala da conselheira do STZ, contei a minha história com o álcool nos últimos anos até culminar com a perda do emprego. A ela disse que precisava de ajuda para continuar sóbrio depois que deixar a Schön Klinik.

“Você já é a partir de hoje nosso cliente. Ligue na próxima semana, na quinta-feira para vermos qual dia você vai ter que vir até nós. Nós temos ainda um grupo de trabalhos que se reúne às quartas de quinze em quinze dias, para estar neste grupo não precisa telefonar, é só vir”, explicou Frau Stern, que me indicou ainda procurar a clínica diária Gänsetor. A ela contei que no dia anterior fui até lá, mas estava fechado.

Saí dali e, no caminho de volta para Schön Klinik, liguei para minha esposa para dizer que mais uma pessoa indicou ir para o Gänsetor, pedi que ela ligasse para a clínica e marcasse uma entrevista para mim. Já na casa 2, eu cheguei a tempo de almoçar, eram 12h25, e comi currywurst com bolinhos de batata sozinho no refeitório. Todos os outros pacientes já haviam almoçado, alguns eu cheguei a ver na entrada do prédio nas rodas de fumo, outros estavam nos seus quartos.

E veio o churrasco! Às 16h20, eu acompanhei Frank e André, que levavam um carrinho com carnes, queijo, linguiça, carvão, refrigerante e as churrasqueiras. O local do evento seria no parque, próximo ao canal. Quando lá chegamos, poucos minutos depois chegou Matthias, que já não está mais conosco na 2E, e Sascha, o homem tatuado. Estes montaram suas cadeiras de praia e começaram a fumar. Frank foi logo providenciando música e a primeira que ouvimos foi uma do Bon Jovi. Frank montou sua cadeira de praia e acendeu um cigarro, enquanto André corria para cá e para lá a fim de montar as churrasqueiras. Quando tocava Toto, chegou um jovem e uma mulher da Estação D, a mesma do Sascha. Ela era Hanna, que depois nos revelou que iria embora no dia seguinte.

“Finalmente uma atividade para mim”, disse ela depois, ao assumir o comando do churrasco até o momento em que eu estive ali.

“Por que você está na casa 2?”, perguntou André em certo momento.

“Suicídio”, respondeu ela.

“O quê? Não entendi”, disse eu para o André.

“Suicídio”, disse ele. Pouco tempo depois, mais duas pessoas da Estação D chegaram e quando já estávamos mudando de local, para ficarmos perto de uns bancos do parque, veio chegando Helga, a mulher das muletas, Lena e o seu fiel escudeiro, um quarentão careca e com cara de mal-humorado.

“Posso tomar uma sidra?”, perguntou Hanna.

“Por mim tudo bem”, disse André. “Nós não podemos. Saúde!”, disse Frank.

“Eu tenho que perguntar, né?”, comentou ela e sentou no banco com um prato na mão com carne, linguiça e queijo. Abriu a latinha de Apfel Cidra (sidra de maçã) e deu um gole antes de começar a comer. Eu que estava perto dela vi o teor alcóolico da cidra: 4,5%. “Isto não pode mais entrar no meu corpo”, pensei.

Desviei meu olhar para uma das churrasqueiras e vi a fumaça subir, acompanhei-a sumir no ar e me senti num mundo paralelo com gente esquisita, com pessoas que têm uma vida completamente diferente da minha louca vida. Embora eles sejam tão loucos, ou mais, ou menos do que eu, nós não temos uma linha de afinidades, apenas estamos sob o mesmo teto por um tempo determinado, por um tempo limitado de poucas semanas.

“O que é que fiz da minha vida”?, perguntei-me.

A resposta vem de imediato:

“Eu fiz merda e tenho que pagar por isso”.


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