PUBLICIDADE

Responsive image

Fábio Kerouac

Um poeta caxiense em Hamburgo

Latte Macchiato no Aeroporto


Saí de casa às 11h30 ouvindo Vôo 985 de um dos meus grupos de Rock Brasil preferidos, o Camisa de Vênus (o outro é a Legião Urbana), que tenho gravado num velho IPod que me acompanha algumas vezes em caminhadas pelas ruas de Hamburgo. A música, que faz parte do LP (na época do lançamento não existia CD) Duplo Sentido, me acompanhou quando eu meti a cara na rua onde moro e pude ver um tímido sol ousar em sair ao mesmo tempo que uma alemã de quase 1,90 m com cerca de 100 quilos e toda vestida de negro quase me atropelou enquanto eu admirava o Rei Sol. Ela ia em direção à padaria Dat Backhus que fica na esquina, abaixo do prédio interligado ao que eu moro. Atrás dela vi correndo um jovem de cerca de 11 anos com um brinco na orelha e sem agasalho apesar dos 7° graus que fazia.


Cheguei à Estação Stadthausbrücke no momento em que Marceleza, o vocalista do Camisa de Vênus, perguntava:
"Tá todo mundo embriagado?". Ali começava o clássico Me dê Uma Chance com fantásticos solos de sax do também fantástico Manito (im memoriam). Eram 11h36min e desci devagar as escadas do metrô para sentir a música que me fez viajar para alguns lugares num tempo já distante. Quando cheguei na plataforma faltava 1 minuto para que o trem que me levaria ao aeroporto de Hamburgo chegasse. Desde ali, a Estação Stadthausbrücke, eu levaria 30 minutos pra chegar lá, passando pela Estação Central, duas estações depois do início da minha viagem. Na Estação Central (Hauptbahnhof em alemão) subiram alguns viajantes e dois deles, aliás, duas delas, sentaram perto de mim. A mais velha, com cerca de 45 anos, mas com cara de 55 anos, sentou ao meu lado. A outra, que parecia ser a filha da primeira, sentou em frente desta e eu notei que ela tinha lábios rachados pelo frio e um belo sorriso. Elas foram conversando todo o tempo, eu fui ouvindo Camisa de Vênus, que tinha acabado de tocar Canalha ("É uma dor canalha!!!") quando íamos chegando em Olsdorf.


Na estação Orlsdorf os três primeiros vagões do trem se separaram e fomos em direção ao aeroporto, os três últimos vagões tomaram outra direção, eles foram para Poppenbüttel. A separação do trem dorou apenas 2 minutos e foi neste intervalo, neste momento, que eu voltei a repetir a música Me Dê Uma Chance e quando fomos chegando no aeroporto, às 12:08, eu ouvi no meu headphone:
 
"Pois você deixou o meu corpo
Mas levou a minha alma"… e logo um longo solo de sax de Manito.

Desci do trem e me juntei aos viajantes que iriam, sem dúvida, em sua grande maioria, pra algum lugar ao sol, para algum país onde há sol em abundância como o Brasil, Portugal, Espanha ou… a Cochinchina! Menos ficarem aqui, em Hamburgo, onde o sol vem só de passagem ou de férias!


Eu não estava de férias, "Yo estaba de Rodriguez"* por isso fui até o aeroporto tomar um latte macchiato na falta do que fazer em casa. Para o aeroporto de Hamburgo costumo ir de vez em quando tomar um café (ali o meu preferido é o latte macchiato e custa 4,10 euros, acho caro!) e ver o movimento dos que chegam e dos que partem, isto me faz sentir por algum momento como um deles. Desde o Café Puro Gusto (o meu local preferido no aeroporto) eu fico observando os rostos felizes dos que partem e eu me entristeço porque não posso fazer o mesmo, é neste momento que a ficha cai, que eu noto que não sou um deles, que eu estou ali apenas de visita, como um Flughafensbesucher (visitante do aeroporto). Esta, inclusive, é a justificativa que tenho que escolher no momento de usar a internet grátis do aeroporto, que por motivo de controle quer saber porque você está ali. Eu na verdade gostaria de estar tomando meu latte macchiato antes de pegar o próximo vôo, não antes de pegar o próximo trem de volta para a Estação Stadthausbrücke.




*Estar de Rodriguez, segundo uma ex-professora de espanhol que tive no Instituto Cervantes de Hamburgo, é uma expressão usada no México para expressar que o marido estar só em casa e a mulher está de viagem… Estar de Rodriguez permite ao marido mijar fora do vaso, comer pão sem um prato e deixar cair farelos pela casa, ouvir som bem alto, deixar pratos acumulados na pia por vários dias, etc. e tal!


Comentários


Colunas anteriores

No aeroporto às moscas

  Eu amanheci ouvindo notícias tristes vindo da Espanha. Elas passavam na RTVE (Rádio e Televisão Espanhola) e anunciavam a luta daquele país contra o coronavírus, uma luta em que alguns países, como a Espanha, Itália e Estados Unidos, estão perdendo neste exato momento. Por enquanto o boxeador (coronavírus) está ganhando por pontos! Não sei o porquê, mas lembrei da música Comfortably Numb, do Pink...
Continuar lendo
Data:07/04/2020 17:35

Duas mulheres

Duas mulheres vão de mãos dadas elas se amam elas  se dão as mãos e nada as deixam incomodadas...   Elas se amam... as duas mulheres de mãos dadas pela rua... nenhuma delas estava nua e só andam de mãos dadas...   As mulheres de mãos dadas se amam e de mãos dadas,  as duas mulheres, às vezes se beijam   Estão sempre por aí, sem medo do amor... sem medo de ti, sem...
Continuar lendo
Data:31/03/2020 20:46

O Andarilho (trecho inédito)

São Paulo, março de 1989 Odete foi a única pessoa que nos acompanhou naquele triste e nublado domingo até à Estação da Luz. Com lágrimas nos olhos, ainda sem escancarar o choro, ela subiu no ônibus conosco até à Estação do Metrô Conceição sem dizer uma palavra. Já no metrô, ela começou a nos dar conselho e pedir que não nos metêssemos em...
Continuar lendo
Data:25/03/2020 10:08

PUBLICIDADE

Responsive image
© Copyright 2007-2019 Noca -
O portal da credibilidade
Este site é protegido pelo reCAPTCHA e pelo Google:
A Política de Privacidade e Termos de serviço são aplicados.
Criado por: Desenvolvido por:
Criado por: Desenvolvido por: