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Fábio Kerouac

Um poeta caxiense em Hamburgo

Trecho do livro o Andarilho (inédito)


Depois de dois dias de baladas, chegou o dia de eu botar o pé na estrada. Era isso que eu pensava ao me dirigir para a cidade de Caxias, pois para mim eu não ia prestar vestibular coisa nenhuma, eu ia participar de uma brincadeirinha que meu irmão e o Emerson estavam levando a sério. "O que você quer da vida, brother?", me perguntou meu irmão no dia da viagem, numa sexta-feira de ressaca e dores de cabeça. "Você tem que sair daqui, desse mundinho", continuou ele.

"E se você passar no vestibular, o que você pretende fazer para morar em Caxias?", me interrogou Emerson, que estava numa rede com a Bete, meu irmão numa outra e eu jogado na cama da minha mãe com a cara enfiada numa travesseiro incomodado com aquela inquisição.

"Fabinho, se você quiser, nós podemos ir morar em Recife, eu pego o dinheiro do meu fundo de garantia e uso enquanto a gente arruma um emprego", propôs a Bete. "Mas você vai continuar na estrada, meu? Isso não é vida", continou o meu irmão.

"Olha, eu estou oferecendo a minha casa para você ir fazer o vestibular. Se você passar e arrumar alguma coisa para fazer em Caxias, você pode morar comigo", disse o Emerson, sabendo que isso era difícil, além do mais eu não queria trabalhar, eu queria ir até Caxias somente para tomar umas cervejinhas que eu sabia que teria. Eles sacavam isso, mas mesmo assim estavam tentando me por nos trilhos, o que era uma tarefa árdua para eles, pois eu não deixava de transparecer o que eu queria. De repente eles pararam e me deixaram em paz. Depois do almoço partimos.

Chegamos em Teresina às 5 horas, e às 7 horas partimos para Caxias, onde chegamos às 8 e meia.

"Olha do que ele gosta, Emerson", disse meu irmão apontando para mim com a mochila nas costas assim que descemos do ônibus, e todos caíram na gargalhada.

"Vamos lá mundão, eu quero sentir o teu tesão", disse Emerson imitando o Fonfo que uma vez colocou essa frase num papel como se fosse o verso de um poema que eu, ele e o Bello tentamos fazer juntos numa noite de bebedeira no meu apartamento em Sampa. Naquele dia fomos dormir cedo depois de dividirmos três cervejas apenas, que serviram só para “desinfetar“.

Na manhã seguinte fomos todos para a faculdade buscar o meu cartão de inscrição. Parecia que todos nós iríamos fazer o vestibular juntos, numa mesma prova, porque eles estavam com o maior cuidado comigo. Ao lado da faculdade tinha um barzinho e ali mesmo ficamos depois que eu peguei o meu cartão e ali também eles ficaram os dois dias das provas me esperando para comemorar o que eu tinha feito na prova, e festa não faltaram.

Ao invés de eu me isolar para o primeiro dia de prova, nós saímos à noite com um amigo do Emerson que tinha um carro utilitário. Emerson ligou para ele e ele veio com uma grade de cerveja, colocamos a Bete dentro da cabine e fomos em cima, eu, Emerson e meu irmão, cada um com uma garrafa de cerveja bebendo no gargalo, enquanto isso o meu irmão me dava instruções de como eu devia agir na prova, que naquela primeira etapa era objetiva.  "Eu confio em você, meu. Eu sei que você sabe muita coisa, a sua mente ainda está fresquinha", dizia ele tentando me incentivar. 

Fomos dormir duas da madrugada e às 6 horas eu já estava de pé, tomei um banho e um café puro e fui fazer as provas sem muita convicção. Quando saí, às 10 e meia, eu fui o primeiro a entregar a prova na minha sala, todos estavam me esperando no barzinho e de longe brindaram por mim: “Viva o Fabinho!", gritaram.

No dia seguinte aconteceu a mesma coisa, com a diferença de que eu não ia ter que voltar para fazer mais provas. Bem, naquele momento eu achava que não, por isso relaxei e me embebedei os três dias seguintes. Tinha dia que eu dormia no sofá, outro dia eu acordava numa rede, num outro eu acordava jogado no chão. Três dias depois da prova saiu o resultado da primeira etapa, que foi dado pela rádio FM local. Era meio-dia e eu nós estávamos num dos quartos da casa onde era o nosso quartel general, onde estava o som, o pequeno refrigerador com as cervejas e o patuá de maconha que sempre tínhamos.

O curso de História foi o terceiro curso mais concorrido e terceiro que o locutor anunciou e lá estava meu nome como quinto colocado. Eu não acreditei, mas era verdade, eu ouvi o meu nome, eu tinha passado para a segunda etapa do vestibular. De imediato providenciamos um churrasco, mas o meu irmão foi logo dizendo que no dia seguinte eu teria que parar de beber para passar no vestibular, pois eu não poderia ficar no meio do caminho. As provas seriam no sábado e no domingo, agora seriam subjetivas e específicas, para enfrentá-las meu irmão me deu mais dicas e eu seguia, só estudava o que ele propôs para mim.

Até os dias das provas eu me comportei, bebi pouco e não ficava no meio deles, enquanto eles ficavam no quarto se divertindo eu ficava na sala estudando, mas na companhia de um copo de cerveja que eles me liberavam de vez em quando. O esforço valeu a pena porque eu fiz boas provas e passei no vestibular para História como eles planejaram. A festa de comemoração começou antes do resultado oficial, que saiu na rádio quatro dias depois. No dia seguinte a Bete foi embora, seguiu viagem para São Luís deixando saudades. Eu tranquei o meu curso e voltei para Floriano depois de duas semanas e lá passei os piores dias da minha vida.


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