São Paulo, março de 1989
Odete foi a única pessoa que nos acompanhou naquele triste e nublado domingo até à Estação da Luz. Com lágrimas nos olhos, ainda sem escancarar o choro, ela subiu no ônibus conosco até à Estação do Metrô Conceição sem dizer uma palavra. Já no metrô, ela começou a nos dar conselho e pedir que não nos metêssemos em encrenca, que escovássemos os dentes, que nos nos banhássemos todos os dias, que não bebêssemos muito, coisas desse tipo, como uma mãe que leva um filho até a rodoviária para a sua primeira viagem sem a companhia dela.
"Olha, meninos, mandem cartão postal por onde vocês passarem!", pediu ela triste e sem demonstrar, como ela nos revelou anos depois, que até o momento de partirmos ela ainda não acreditava que íamos pegar a estrada, que íamos deixar a turma, as baladas, as nossas reuniões regada a muita cerveja e rock in roll. Ali, na plataforma, ela começou a chorar nos braços do Teco e eu saí um pouco para deixá-los a sós, fui comprar duas cervejas em lata para conter um choro que não queria sair pela garganta.
No caminho até o bar da estação, bateu uma tristeza ao pensar que eu não voltaria mais a morar em São Paulo, pois ali eu não teria mais emprego, não teria mais onde morar e nem como continuar nas baladas, que eu e o Teco sempre estávamos bancando; aliás, nos dois meses anteriores à nossa partida eu estava bancando sozinho... pelo menos eu pagava a cerveja e era só isso que eu queria fazer, como na festa do dia anterior da nossa partida. E Odete esteve conosco à noite toda na festa que fizemos para marcar a nossa despedida e o início de nossa viagem pelo Brasil, rumo ao Nordeste!
"Fabinho, olha quem eu trouxe!", disse ela assim que chegou no meu apê. Com ela estava a Marcela, a Roberta e... Renata, a garota que a minha timidez e grosseria impediu que tivéssemos algum relacionamento durante o tempo que durou nossa turma.
"Seja bem-vinda, Renata!", disse eu sem olhar pras outras "cavalas", era assim que nós chamávamos as garotas da nossa turma, pois elas eram bonitas e gostosas.
"Olá, lobo mau! Você vai nos deixar, né?", disse Renata me olhando com um olhar provocativo, como a dizer que naquele dia ela ia liberar tudo pra mim. Quando ela entrou acompanhada da Odete e da Roberta, Marcela me puxou e segredou:
"Hoje você tá podendo, ela te quer!". "Porra!", pensei eu. E o que fazer com a Melissa?!
"E aí Fabinho!", era o Daniel que tinha chegado logo atrás, me despertando do meu pensamento confuso. Ele vinha chegando acompanhado de Adriana, a garota que ele tirou a virgindade no meu apartamento, numa segunda-feira à tarde em que ela, nem ele, foram para escola.
"Senhor, Fábio, aqui é do condomínio Cidade Ademar. Aqui tem um dos seus amigos, o nome dele é Daniel. Ele está acompanhado de uma jovem de farda e quer ir para o seu apartamento. Posso liberar a chave?", me ligou o porteiro, enquanto eu trabalhava.
"Olha, Sr. Pedro, pode liberar, mas diga a ele pra não beber toda a minha cerveja, pois vou chegar tarde em casa e não tenho como sair e comprar cerveja. Tchau!"
Ilustração: Pablo Zweig
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