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Fábio Kerouac

Um poeta caxiense em Hamburgo

On the rail*


Eu tenho um poema que diz assim:

eu nunca quis ter uma casa financiada pela caixa econômica
eu nunca quis ter um carro para pagar a perder de vista
eu não quis um diploma
nem tão pouco eu quis um filho
mas eu sempre quis ter aonde ir
eu sempre quis ter um bilhete de ida

Este poema tem cerca de 5 anos, mas este pensamento eu tenho desde os vinte e poucos anos, quando abandonei tudo em Sampa, onde morava e trabalhava como técnico em eletrônica numa empresa de automação industrial. O ano era 1989 quando eu larguei tudo e comprei um bilhete de trem São Paulo-Brasília e ali começou uma paixão até hoje inabalável entre eu e os trens, ou ainda, uma viagem sobre os trilhos. A minha mulher sabe disso, por isso ela sabe como atingir o meu tendão de Aquiles!

Nesse último sábado, enquanto eu via os capítulos finais de Stranger Things (2ª Temporada) na Netflix ela me propôs:
"Vamos pegar um trem amanhã para Leer?“ (Eu tinha entendido Lea)
Sem pensar em mais nada perguntei: "A que horas saímos?"
"O trem parte às 9h15 e chegamos em Leer ao meio-dia."
"E o que vamos ver em Lea. É esse o nome?"
"Sim, mas é Leer e não Lea", respondeu ela. Leer em alemão quer dizer "vazio/a". "Eu quero ir ali visitar um museu do chá e tomar o tradicional chá que eles produzem desde o final dos anos 20, o Bünting Tee", explicou ela.

No domingo pela manhã saímos de casa às 8h40 e 15 minutos depois estávamos na Estação Central, o trem que nós iríamos pegar chegou 5 minutos depois e partimos no horário previsto. Eu me acomodei na janela para ver a paisagem e ler o livro Der Grosse Sprachkurs Französisch (O Grande Curso de Língua Francesa). Numa parada de 30 minutos na cidade de Bremer para pegarmos outro trem depois de 1 hora de viagem nos deu tempo de visitar um Café na Estação Central local antes de partirmos novamente. No novo trem alguém avisou que iríamos chegar 12 minutos atrasados. A mulher que falou no auto-falante errou… chegamos 13 minutos atrasados em Leer, às 12h13.

Encantado com a beleza da pequena cidade de apenas poucos mais de 34 mil habitantes e a poucos quilômetros da Holanda (mais ou menos 200 Km) eu caminhei por suas ruas quase vazias, típica de uma pequena cidade num dia de domingo sem sol. Aqui e acolá nós cruzávamos com alguns moradores leeraner (assim é chamado quem nasce em Leer) ou turistas que estavam ali, talvez, pelo mesmo motivo que nós: provarmos o tal Bünting Tee (o chá Bünting) e ver o Museu do Chá. O visitamos depois de provarmos o chá no único "bar" destinado a oferecer apenas chá como "drink", o Ostfriesische Teestube am Hafen.

Mas ali só tem chá? Não, ali não tem só chá. Aliás fomos ao Museu do Café e num cartaz na frente dizia: Nicht nur Tee (não apenas chá) e na saída tomamos café acompanhado de um bolo de sanddorn, "o limão do Norte", num Café em frente. Ali chegamos a encontrar alguns turistas que vimos circulando pela cidade nas nossas andanças.

O momento de partida de Leer não foi doloroso, pois eu iria estar novamente sobre os trilhos, num trem regional, assim como o trem da ida, cujo preço do bilhete custou apenas 29 euros, ida e volta, pra mim e pra minha esposa. Barato? Sim, é baratíssimo o pinga-pinga. Se pode ir até ali de trem bala também, mas só a ida de uma pessoa, creio eu, ultrapassaria os 80 euros. Nem eu e nem os alemães que usamos o pinga-pinga tivemos pressa de irmos pra Leer ou partir do mesmo ponto em direção a Hamburgo. Estar dentro do trem o máximo de tempo possível era pra mim, acho que pra eles também, era uma forma de lazer e de prazer. Pra mim era muito mais ainda: era amor!

*Nos trilhos


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