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Fábio Kerouac

Um poeta caxiense em Hamburgo

Meu primeiro emprego na Alemanha


O meu primeiro dia foi 1° de fevereiro de 2006. Acordei cedo naquele dia e 20 minutos antes do combinando eu já estava em frente à companhia de limpeza em que eu devia começar a trabalhar. Fui o primeiro a chegar, antes mesmos das pessoas que ali trabalhavam. Cheguei a pensar que estava no lugar errado, mas logo a minha dúvida dissipou, pois um homem escuro apareceu e travou conversa comigo, ele também estava ali pelo mesmo emprego, o de limpador de quartos em hotéis.

Às 8h em ponto chegou alguém da companhia e abriu a porta nos convidando para entrar, nos livrando do frio que fazia fora do prédio. Mal entramos e chegaram mais três pessoas, todas negras, possivelmente de algum lugar da África. Uma delas parecia conhecer muito bem o funcionário da firma, pois ela conversava com ele com muita desenvoltura e as que vieram com ela ficaram sentadas esperando algum sinal. Uma delas, uma gorda e faminta, começou a tirar alguma coisa da bolsa e sem desembaraço começou a comer. Em uma das mãos ela tinha um pacote de biscoitos e na outra uma maçã. "Ela está com fome ou ela gosta de comer?", perguntei-me. Antes de responder minha pergunta alguém chegou e conversou com o funcionário da firma, eles cochiram e este último apontou para mim: "ele fica no Hyatt". Senti um frio inexplicável, aquilo me pareceu tão distante e estranho...

 

O homem que chegou era o motorista ( ele parecia um mexicano miscigenado com alemão) que deveria nos levar aos postos de trabalho. Cada um ia a um hotel diferente e eu seria o primeiro a ser deixado. Fomos numa Van. Eu me acomodei no fundo e a moça gorda, que continuava comendo, foi na frente, ao lado do mexicano-alemão. "Eu vou na frente porque é mais fácil para eu descer", reconheceu a jovem que continuava comendo. Atrás eu comecei a relaxar quando o motorista, e nosso coyote, ligou o rádio no momenteo que tocava Talk do Coldplay: "Let´s talk, let´s taaaalk"... Só foi um minuto, e logo começou um besterol comum em FM. O que é pior: na difícil língua alemã. O tormento durou cerca de 20 minutos e logo eu já estava nas proximidades do hotel e um engarramento nas estreitas ruas deixou o nosso motorista nervoso. Um caminhão de lixo estava tirando o entulho da noite passada do hotel. Ele desceu do carro, voltou e esperou. Novamente desceu do carro e voltou em poucos minutos chamando pelo meu nome depois de estacionar o carro. "Viel Glück", arrisquei um boa sorte para os que ficaram no carro, mas na verdade era eu quem precisa, pois fui entregue, como uma mercadoria, a um homem chamado Vlado, que apareceu numa pequena porta ao lado da porta principal do hotel. "Um russo no comando?", pensei. Dias depois descobri que ele era iuguslavo, ou croata, ou sei lá!

O croata ou iugolsvo me levou apressado para um elevador que desceu para o andar -1 onde ficava a House Keeping. Rapidamente ele me deu uma roupa maior do que o meu tamanho de 1,60m e, sempre rápido, me levou para o sétimo andar, onde estava um afegão com tamanho e cara de nordestino. Ele estava acocorado e lavando o toilete. Era o Karimi. Vi nele uma sabedoria dos meus antepassados, lá do Piauí, criadores de bode no Sertão.

Para mim tudo foi assim, rápido e sem explicações suficientes, mas o Karimi procurou me dar instruções necessárias para eu pegar o emprego, aliás, para eles me darem o emprego, que eu precisava desesperadamente. Afinal eu estava há dois anos sem um emprego e acreditava naquele momento, que embora eu não gostasse de fazer limpeza, eu tinha que agarrar aquela chance. E que dura chance! Eu não sabia no que prestar a atenção, se no que dizia o meu professor de limpeza, o Karimi, ou na posição dos objetos nos quartos, pois era tanta coisa que me deu vontade de largar tudo e mandar tudo para o quinto...

Mas resisti resignadamente, pois em casa alguém confiava em mim e torcia por mim. Foi pensando nisso que agüentei quatro horas com vontade de usar o toilete, pois estava com vergonha de perguntar onde é que tinha um que eu pudesse usar, afinal não tinha visto nenhum banheiro para os peões. "Karimi, como é que eu faço para mijar?", perguntei já estourando quando já estávamos limpando o quinto ou sexto quarto. "Olha, não é permitido, mas usa rapidinho o toilete aí". Foi um alívio! Melhor foi ir à cantina do hotel almoçar, já enfraquecido e cansado, às 3 horas da tarde. Deu vontade de ficar por ali, sentado diante de uma televisão onde passavam os gols do campeonado europeu. Vi Ronaldinho Gaúcho e senti o quanto eu sentia orgulho de ser brasileiro. Mas um brasileiro sentado no sofá diante de uma TV no horário nobre! Me deu uma vontade de chorar. "O que eu estou fazendo aqui?", me perguntei e levantei para limpar ainda mais três quartos com o afegão.


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