Hoje foi dia de terapia, eu fui à Kodrobs (Kontakt und Drogenberatungsstelle), um centro de aconselhamento para ex-viciados em álcool e drogas. Voltei ali depois de 1 mês e meio para uma terapia, mas ali estive há duas semanas atrás para uma sessão de acupuntura que acontece todas as terças-feiras no fim de tarde. Vou à acupuntura sempre que tenho folga ou quando tenho turno pela manhã na casa de idosos onde ganho o meu sustento.
Hoje estive de folga, mas só fui à terapia, conversar sobre os meus fantasmas, que vez por outra aparecem e devem me acompanhar pelo resto da minha passagem terrena. A terapia e a acupuntura são usadas para controlá-los e evitar que eu tenha uma recaída, um retorno à bebida, um retorno à Schön Klinik Eilbek!
E eu estive na Schön Klinik Eilbek dois dias antes e vi que pra lá eu não quero voltar mais, apesar das estatísticas alemãs afirmarem que 76% das pessoas que vão a uma clínica de desintoxicação uma vez elas voltam outra vez. Eu quero estar entre os 24%! E senti isso com a voz embargada quando fui ao local do crime, onde eu estive alojado por 20 dias entre julho e agosto de 2018 para me tratar da doença do alcoolismo (alguns dizem que é sem-vergonhice!).
Mas por que voltei ali? Nem eu sei o porquê! E nesse dia eu nem tinha a ida até ali como objetivo e sim o aeroporto, não para pegar um avião ou receber a minha esposa vindo de mais uma de suas viagens, mas para comprar uma coca-cola num dos poucos supermercados abertos aos domingos em Hamburgo. Foi o que eu fiz e tomei a coca-cola ali mesmo lendo trechos do livro Na margem do rio Piedra eu sentei e chorei de Paulo Coelho. Mas para ir ao aeroporto se passa pela Estação Friedriechsberg e ao passar por ela lembrei que a clínica fica ali próximo, a poucos minutos de caminhada. Na volta do aeroporto desci ali.
Confesso que não foi nada confortável percorrer uma rua pouco movimentada que dá acesso aos fundos e a uma das laterais do prédio da Casa 2. Desde um certo ponto pude ver a janela de um dos quartos onde fiquei os meus primeiros 3 dias, confuso, desorientado e me sentido o último homem do mundo 11 meses antes. Como também não foi nada cômodo cruzar por pessoas que ali circulavam pela frente do prédio numa bela tarde de sol, pessoas que estavam ali fazendo o mesmo tratamento que passei alguns meses antes. Vi uma garota tatuada sentada sozinha fumando em frente da entrada principal da Casa 2, vi um grupo de homens fumando, vi uma jovem garota rodeada por pessoas que eu acredito que eram seus parentes de visita, etc. Tive pena deles, tive pena de mim. Me senti como eles!
Não fiquei ali muito tempo e nem tive coragem de entrar no prédio, tive medo de encontrar algum dos meus fantasmas que eu tenho certeza que deve ter ficado preso quando eu fui liberado meses antes com a ideia de não pisar mais os pés ali! Mas algum fantasma deve ter ficado ali, pois eu senti desde a entrada do edifício uma energia estranha tomar conta do meu corpo e que ameaçou sair pela boca. Disso não tive medo, mantive o meu controle e me afastei aos poucos dali virando as costas sem olhar pra trás…
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