PUBLICIDADE

Responsive image

Fábio Kerouac

Um poeta caxiense em Hamburgo

O Cuidador de Velhinhos Alemães (Trecho)


Prefácio

O CUIDADOR DE VELHINHOS ALEMÃES, o livro…

...não é um romance, ele não tem happy end!

Ele não é um conto de fadas, nele há contos de uma vida real que ainda pulsa... (“o pulso ainda pulsa”, Titãs)!

Ele é o dia a dia de um poeta estrangeiro num mundo ainda indesejável por muitos, embora esses muitos queiram viver mais e mais sem perder a passageira juventude... Eu, que vi a “cara da morte” no contato com esses velhinhos, vi que isso não é possível!

Em O CUIDADOR DE VELHINHOS ALEMÃES me desnudei de vaidades e quero compartilhar com vocês essa experiência, que está ao alcance dos estrangeiros na Alemanha por falta de mão de obra para cuidar dos mais de 2,5 milhões de idosos que necessitam de cuidados. Para suprir essa carência o governo alemão tem financiado cursos de formacão com ajuda de custos. Foi nessa que entrei e me deparei com um mundo diferente do que eu imaginava, que eu ignorava e do qual até tinha medo!

Passado o medo, e depois de aprender até mesmo como abordar um idoso, seja com demência, com insuficiência respiratória ou outra doença em estado avançado, vi que o mundo em que estou agora é um desafio gratificante, com o qual aprendi um pouco o sentido da vida quando se está velho, abandonado e enfermo, sempre à espera de um cuidador quando o dia amanhece; um dia que se parece com o dia anterior, no qual nos parecemos cada vez menos com nós mesmos.

Fábio Kerouac

– Sie klingelt ohne Ende (ela toca sem parar) – disse Beata referindo- se à Frau Szymanski, do 333. 

Ela é uma das moradoras do “grande canto”, como é chamada a divisão do terceiro andar com mais quartos. São 14 ao todo, e somente um está vazio e um outro está temporariamente sem o seu morador oficial, pois ele passa uma temporada no xilindró. O velhinho andou aprontando algumas. 

Já Frau Szymanski não está presa, mas age como um preso com regalias, porque ela usa e abusa, e como abusa, do direito de usar a campainha eletrônica que tem em todos os quartos. 

Ela toca a campainha pra alguém abrir a janela porque está quente; ela toca a campainha pra alguém fechar a janela porque está frio; ela toca a campainha pra abrirmos a porta do balcão para entrar um pouco de ar; ela toca a campainha para isso e para aquilo. Hoje eu fugi dela, mas no sábado passado ela me alugou. Se bem que algumas coisas são normais, tipo ir atender o morador para fazer a cama, colocar a pessoa na cama, trocar de roupa, etc. Portanto eu não me importei e nem me importo de fazê-lo. A questão é que a campainha é mais para ser usada em caso de vida ou morte. Quando a campainha toca temos que ir sempre rapidamente atender o morador, pois esse pode estar em perigo. O que não é o caso de Frau Szymanski. 

– Sim, Frau Szymanski, a senhora precisa de ajuda?
– Sim. Faz a minha cama.
E comecei.
– Não, não é assim, não! – disse ela na cadeira de rodas onde passa a 
maior parte do tempo vendo TV.

E coloquei os cobertores e os travesseiros como ela quis. – Cubro com este cobertor azul, Frau Szymanski?
– Não... Esse você coloca no banheiro e traz o verde. Fui e trouxe o verde.
– Apaga a luz do banheiro. Fecha a porta do banheiro. – Mais alguma coisa, Frau Szymanski? 

– Não, obrigada.
– Tchau...
Uma hora depois, mais ou menos, ela toca a campainha. Eu fui.
– Coloca esse banquinho aqui perto de mim, é para os meus pés. Duas horas depois, já depois do almoço, ela chama de novo:
– Me põe na cama... Tira as minhas meias-calças... Põe o Rollator 
aqui perto da cama... Põe as minhas sandálias em cima do Rollator...

– Mais alguma coisa, Frau Szymanski?
– Apaga a luz...
Já estava quase na hora de ir embora e o telefone toca. Era ela! Ali, no 
estágio, recebemos um telefone quando começamos a trabalhar, e quando alguém toca o número do quarto aparece em todos os telefones. Naquele momento apareceu o número 333. 

– É pra você, Fábio – disse a alemã Evelin, que estava como minha chefe no sábado. 

Fui e perguntei:
– Algum problema, Frau Szymanski?
– Você pode abrir um pouco as cortinas?
Esta semana eu trabalhei um dia até 21h30, e ela tocou a campainha 
quando todos deviam estar dormindo, ou pelo menos preparados pra dormir: 

– Você pode passar creme nos meus pés? – Natürlich, Frau Szymanski. 


Comentários


Colunas anteriores

No aeroporto às moscas

  Eu amanheci ouvindo notícias tristes vindo da Espanha. Elas passavam na RTVE (Rádio e Televisão Espanhola) e anunciavam a luta daquele país contra o coronavírus, uma luta em que alguns países, como a Espanha, Itália e Estados Unidos, estão perdendo neste exato momento. Por enquanto o boxeador (coronavírus) está ganhando por pontos! Não sei o porquê, mas lembrei da música Comfortably Numb, do Pink...
Continuar lendo
Data:07/04/2020 17:35

Duas mulheres

Duas mulheres vão de mãos dadas elas se amam elas  se dão as mãos e nada as deixam incomodadas...   Elas se amam... as duas mulheres de mãos dadas pela rua... nenhuma delas estava nua e só andam de mãos dadas...   As mulheres de mãos dadas se amam e de mãos dadas,  as duas mulheres, às vezes se beijam   Estão sempre por aí, sem medo do amor... sem medo de ti, sem...
Continuar lendo
Data:31/03/2020 20:46

O Andarilho (trecho inédito)

São Paulo, março de 1989 Odete foi a única pessoa que nos acompanhou naquele triste e nublado domingo até à Estação da Luz. Com lágrimas nos olhos, ainda sem escancarar o choro, ela subiu no ônibus conosco até à Estação do Metrô Conceição sem dizer uma palavra. Já no metrô, ela começou a nos dar conselho e pedir que não nos metêssemos em...
Continuar lendo
Data:25/03/2020 10:08

PUBLICIDADE

Responsive image
© Copyright 2007-2019 Noca -
O portal da credibilidade
Este site é protegido pelo reCAPTCHA e pelo Google:
A Política de Privacidade e Termos de serviço são aplicados.
Criado por: Desenvolvido por:
Criado por: Desenvolvido por: