A criatividade sempre foi uma qualidade do caxiense, terra fértil para o talento artístico, ainda mais naqueles idos do final do século XIX. Muitas dessas características se encontram nas publicações dos jornais, principal fonte de informação da cidade naquele período.
O jornal Gazeta Caxiense (nº 45 de 25 de julho de 1893) traz em suas colunas comerciais um anúncio curioso do Hotel Café Pic Nic, situado no Largo dos Remédios. A propaganda é um diálogo entre Thomé e Cazuza provavelmente dois personagens fictícios que ocasionalmente se encontram em Teresina (PI) e conversam sobre suas visitas a cidade de Caxias. Era muito comum naquela época os visitantes ficarem hospedados em casa de amigos, mas com a inauguração do hotel os comerciantes tinham uma nova opção. Pelo menos um dos personagens é real. Trata-se do médico Dr. Arthur Pedreira (Caxias, 1861 / Teresina, 1902), filho de outro médico, o ilustre Dr. Gentil Pedreira.
Esta conversa entre os dois amigos é um relato de Caxias em um rico período da cidade, onde estavam surgindo as industriais têxteis, a linha férrea e outras maravilhas, como o telefone e energia elétrica.
Thomé – Como vais ó Cazuza?
Cazuza – Eu sei novidade.
– Então, quando chegaste?
- A uns dez ou doze dias.
- Vieste por Caxias ou pela Parnaíba?
- Foi por Caxias, porem voltei pela Parnaíba.
- Pois eu sou o contrário; sempre que vou ao Maranhão vou e volto por Caxias, por que realmente gosto muito daquela cidade.
- Eu também não desgosto, porem desta vez não gostei porque não me hospedei em casa do meu amigo que tem por costume hospedar-me: disseram-me que ele estava para a Ponte e me vi em talas para obter um agasalho; finalmente só pude agasalhar-me as 9 horas da noite num subúrbio da cidade chamado Lages.
- Então, e o hotel do Lopes; porque não o procurastes?
- Qual hotel nem meio hotel; eu tenho por costume hospedar-me em casa dos amigos, aonde nada gasto.
- Mas isto é edificante para um rapaz nas tuas condições; és negociante seguramente a dez anos, tens ganho bastante, solteiro, é verdade que és econômico, orem não estás nas condições de andar em Caxias de porta em porta mendigando uma hospedagem.
- Sim, porem o amigo de quem te falo e que me dá hospedagem é o meu comitente, a quem dou bom interesse.
- Oh! Mas isto é simplesmente ridículo! Pois achas que a comissão que dá ao teu comitente chega para ele te dar hospedagem? Não ignoras como está tudo caro em Caxias?
- E o que tenho eu com estas coisas quando procuro fazer economia?
- Neste caso tens razão, porem eu é que não te invejo a maldita economia de querer viver abarriga forra. Eu pelo contrário, quando vou a Caxias, procuro sempre o Café Pic-Nic, onde faça-se justiça, trata-se muito bem os hospedes e a casa é esplêndida: já estou bastante relacionado com os rapazes de lá, e estando reunido com eles, sou logo apresentado a melhor sociedade. Se há baile, recebo o convite, e estando no baile o meu prazer é duplo porque realmente as Caxienses são extremamente delicadas. Crê que se estando num hotel é que a gente relaciona depressa. Isto de se hospedar em casa particular é uma coisa ridícula: eu pelo menos não gosto, por que só vejo é que vou dar incomodo a um amigo e a maior parte das vezes a família dele.
Crê meu caro, que um hospede em casa de família é tão corisco que cai em casa; além disso você deve compreender que um lugar como Caxias onde os homens só se ocupam da indústria e breve vai inaugurar via férrea, não se pode dar hospedagem. Ali tudo vive do trabalho: é preciso também que nós aprendemos também a viver a nossa custa e não estejamos a importunar a quem não tem tempo senão de tratar de si.
Estabeleça-se aqui a indústria, procure-se dar desenvolvimento as artes, estabeleça-se pronta via de comunicação e abandone a maldita política que você daqui a cinco anos tem feito uma boa economia, sem ser preciso andar procurando a casa de seus comitentes para lhe dar hospedagem, e terá até intuição de quando seu amigo estiver na Ponte procurar o Café Pic-Nic e não ir se hospedar nos hotéis das Lages.
Cazuza – Sim senhor, muito bem, gostei de ver o teu discurso, falas melhor de que o vigário da freguesia?
Quando for agora ao Maranhão irei por Caxias e procurarei o hotel Pic-Nic, não só porque me dá bom exemplo. Mesmo porque dizem que ali se trata bem, paga-se barato, e a casa é até higiênica.
- Então até, que já me vou tornando cacete.
- Até logo, lembranças ao simpático Arthur Pedreira.
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