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O caxiense que concorreu ao Nobel


Coelho Neto no escritório de sua residência em foto após sua indicação ao Nobel. Imagem: A Noite (RJ), Ed. nº 144 de 1932.

Dando continuidade a um mês dedicado ao nosso Coelho Neto, Patrono da Academia Caxiense de Letras que neste ano completa 25 anos de fundação, trago no artigo desta semana um dos pontos mais altos de sua carreira: a indicação ao Prêmio Nobel de Literatura. 

O Brasil nunca ganhou um prêmio Nobel. Não que não houvesse concorrentes ou dignos de tal honraria, pelo contrário, desde que o prêmio fora criado, ilustres brasileiros ou foram indicados ou cotados para essa conquista. 

Nossa nação tem grandes personalidades nas áreas científicas, literais e sociais de reconhecimento mundial. Para citar alguns inventores e cientistas, basta recordar Santos Dumont que embora não reconhecido no mundo como o inventor do avião, tem diversas patentes como o relógio de pulso. Ou então Roberto Landell de Moura, um dos pioneiros na radiodifusão e inventor do telefone sem fio. Esses dois não foram indicados ou cotados. Já outros que foram incluídos na premiação não ganharam: Vital Brazil, Oswaldo Cruz, César Lattes, Jorge Amado e Guimarães Rosa, só para citar alguns. 

O Prêmio Nobel foi criado pelo sueco Alfred Nobel (1833/1896), o inventor da dinamite. Temendo ser lembrado após seu falecimento como inventor de um instrumento de destruição e morte, deixou quase toda sua fortuna a ser repartida a pessoas que contribuíram para o engrandecimento da humanidade através de uma premiação, que acabou levando seu nome. De acordo com sua vontade o Nobel possui cinco categorias de premiação: da Paz, Literatura, Física, Medicina e Química. O primeiro Prêmio aconteceu em 1901, e até hoje ocorre em seu país natal, a Suécia. Cada categoria tem seu comitê que solicita anualmente indicações a todos os professores, cientistas e acadêmicos do mundo, onde dessa lista é escolhido o vencedor.

O primeiro brasileiro indicado ao Nobel foi José Maria da Silva Paranhos Junior, o Barão do Rio Branco, indicado ao Nobel da Paz em 1911 devido a suas negociações entre a fronteira brasileira com nossos vizinhos latino-americanos. Outros indicados foram: Carlos Chagas, indicado ao Nobel de Medicina por duas vezes, em 1913 e 1921 e Marechal Rondon, recebendo uma indicação ao Nobel da Paz, em 1925. O 5º brasileiro indicado ao Prêmio Nobel foi o escritor Coelho Neto. 

O polêmico ano de 1932

Desde 1930 o nome do escritor caxiense fora ventilado para a premiação de literatura mundial em que nenhum brasileiro tinha sido indicado até então. O jornalista e crítico literário João Ribeiro, em artigo ao Jornal do Brasil (Ed.39 de 14/02/1930), intitulado “O Prêmio Nobel”, levanta o questionamento se um dia o Brasil ganharia o afamado prêmio da literatura e destacava o nome de Coelho Neto como um dos possíveis brasileiros merecedores da indicação.

No ano de 1931 um movimento acadêmico em nosso país vizinho a Argentina, indicou o escritor Manuel Galvez (1882/1962) considerado o primeiro romancista argentino e pediu aos países sul-americanos que apoiassem seu nome ao Nobel de Literatura. No ano seguinte o embaixador argentino no Brasil foi a campo na busca de apoio da intelectualidade brasileira entrando em contato com o acadêmico Félix Pacheco, ex-ministro das relações exteriores do Brasil. 

Em solidariedade e demonstração de respeito a nossa região, o intelectual piauiense passou a buscar apoio a candidatura de Galvez entre seus pares da Academia Brasileira de Letras, criando uma lista com assinaturas dos imortais a ser remetida ao comitê sueco.  

Logo esse assunto sairia dos corredores acadêmicos e acabaria nas colunas dos jornais. Por volta do mês de maio daquele 1932, em um gesto patriótico e nacionalista, jornalistas passaram a acusar a Academia Brasileira de apoiar um argentino e não um brasileiro a um prêmio literário. Surgiu então uma inquietação nacional até descobrirem nos livros de Galvez textos não muito amigáveis sobre a atuação do Brasil durante a campanha na Guerra do Paraguai (1864/1870). A confusão estava formada.

Jornal O Radical denuncia o apoio da ABL ao argentino. Imagem: O Radical (RJ), Ed. 18 de 21 de junho de 1932.

No calor da polêmica o acadêmico Ribeiro Couto lança a candidatura de Coelho Neto ao mesmo prêmio, recebendo apoio de alguns escritores. Mas essa candidatura acabou não logrando êxito por falta de interesse ou intrigas políticas e literárias. Ele lamentaria o ocorrido na revista Vida Literária: “É simplesmente lamentável o caminho tomado pelos acontecimentos. E aos homens de letras, que foram sempre os melhores diplomatas em todas as aproximações, caberá amanhã uma inculpação sinistra: a de haverem transformado um momento de cordialidade numa contenta de amor próprio”. (Vida Literária, nº12, Rio de Janeiro, 1932).

Gustavo Barroso em artigo para a Revista o Cruzeiro (1933, Ed.07), tratou de esclarecer a questão: “A Academia nada teve com o apoio dado no Brasil a candidatura de Galvez. Nenhuma proposta ou sugestão lhe foi apresentada nesse sentido. [...] Um amigo de Manoel Galvez organizou uma lista de homens de letras brasileiros, a fim de corroborarem a proposta do escritor argentino. [...] (A Academia) nada tem a ver com as atitudes pessoais de seus membros”.

De fato, a atitude e apoiar o romancista argentino não partiu e nem foi oficializada pela ABL como saiu na imprensa, mas sim de uma ação pessoal de um de seus acadêmicos Félix Pacheco. Importante frisar que quando Pacheco iniciou o abaixo assinado, não havia a sondagem do nome de Coelho Neto ou outro brasileiro. Outro detalhe é que o próprio imortal maranhense assinou a lista em favor do argentino. 

Manuel Galvez em um gesto nobre e buscando apoio brasileiro, lamentava a dificuldade de um latino-americano chegar a vencer o Nobel e que todos deveriam se apoiar para vencer essa dificuldade, indicando um nome único a cada dois anos. “Vou pensar em iniciar uma campanha em favor de outro sul-americano, que seria Coelho Neto, por quem tenho uma grande admiração”, afirmou o escritor argentino.

Para buscar uma solução ao imbróglio, firmou-se um “acordo de cavalheiros”: Naquele ano o Brasil apoiaria Galvez e no ano seguinte, os Hermanos apoiariam o nome de Coelho Neto. A candidatura de Galvez não teve sucesso sendo o vencedor do Nobel naquele ano o dramaturgo britânico John Galsworthy. O argentino ainda concorreria mais duas vezes ao Nobel de Literatura, ambas sem ser o escolhido. 

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Durante a polêmica do apoio da ABL ao argentino, um repórter foi até a sede da ABL a fim de realizar uma entrevista com os acadêmicos sobre as obras da literatura nacional. Na porta encontrou um apressado Coelho Neto saindo e entrando em um taxi se recusando a falar. Assistiu outro repórter perguntando a Constâncio Alves se tinha votado em Coelho Neto ou no argentino, porém, como o imortal era quase surdo não entendera nada naquela gritaria. A charge representa esse momento cômico. Notícia - A pitoresca questão do prêmio Nobel de Literatura: uma hora divertida de convivo com os imortais da Avenida das Nações. Texto de Garcia de Rezende. Legenda da charge: Coelho Neto, polidamente recusa a dar sua opinião sobre as melhores obras da literatura nacional. Constâncio Alves dentro do seu fraque preto e do seu chapéu de coco, não forma uma ideia para estudar a questão. Imagem: Diário de Notícias (RJ), Ed. 700 de 22 de maio de 1932.

Coelho Neto se torna oficialmente candidato

Meses depois do resultado da premiação, Afrânio Peixoto propôs novamente o nome de Coelho Neto ao Nobel de Literatura. Era consenso entre a intelectualidade que nenhum brasileiro tinha mais competência e chances para ser indicado e vencer esta categoria. Escritor mais lido no Brasil e Portugal, Coelho Neto era também um dos brasileiros mais publicados com cerca de 120 livros, alguns traduzido em alemão, inglês, francês, espanhol e italiano.

Em sessão na ABL no mês de dezembro, Humberto de Campos apresentou uma moção em apoio ao nome de Coelho Neto e de forma unânime os imortais apoiaram a indicação. Coube ao próprio Humberto de Campos redigir a comunicação oficial e sua indicação. 

Coelho Neto se tornara o primeiro brasileiro a ser indicado ao Prêmio Nobel de Literatura e o segundo sul-americano (O primeiro foi o argentino Galvez).

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Notícias sobre a candidatura de Coelho Neto. Imagens: A Manhã (RJ), Ed. nº 51 de 31/12/1932; Diário da Noite (RJ), Ed. 972 de 01/07/1933.

 

Enquanto isso, acadêmicos argentinos faziam o mesmo escolhendo o nome do poeta Leopoldo Lugones a ser indicado ao Nobel. Ao saber que Coelho Neto teve sua indicação aprovada pela Academia Brasileira, Lugones desistiu da sua indicação e aconselhou a todos seus apoiadores a aderirem a candidatura do brasileiro. 

Ao ser procurado por um jornalista do Diário de Notícias (RJ) sobre sua indicação, ele respondeu: 

“Não me candidatei; fui candidatado. Mas não creio na possibilidade de uma vitória”. E durante a entrevista afirmara: “Pela minha parte, eu me considero premiado pelas provas de generosidade simpática que tenho recebido dos meus colegas da Academia, aos quais nada pedi, do mundo intelectual e da imprensa brasileira que tem prestigiado unanimemente a indicação do meu nome. Isso prova, quando não que eu seja um escritor de mérito, pelo menos que sou um homem benquisto no seu país. Não me interesso pelo prêmio pecuniário adjudicado aos escritores distinguidos. 

Com o prazo de apenas um mês para se cumprir todas as exigências, o imortal caxiense mostrava-se pessimista que sua própria inscrição não fosse efetivada devido à grande burocracia, além de ter que remeter o máximo de suas obras possíveis ao comitê. O problema era que muitas delas estavam esgotadas, incluindo as traduções e ele possuía apenas uma de cada, não querendo se desfazer de sua coleção intima e rara. Solucionando esse problema o seu conterrâneo Humberto de Campos ofertou 30 volumes de sua coleção particular para a Suécia, acompanhado de outros acadêmicos que também doaram outra quantidade de livros. 

A ABL conseguiu juntar toda a documentação necessária no início de 1933, e como candidato oficial pelo Brasil, Coelho Neto foi apadrinhado pelo Ministério das Relações Exteriores, que ajudou durante o envio da documentação e o pedido de inscrição até o comitê oficial na Suécia. 

A partir de então começou uma verdadeira campanha nacional pelos jornais e revistas, no meio intelectual e também nos bastidores do governo, em favor da candidatura de Coelho Neto. 

A Liga Esperantista Brasileira, organização nacional de divulgação da língua internacional Esperanto, enviou a Federação Esperantista Sueca a indicação traduzida em sua linguagem. Era uma forma de divulgação das obras de Coelho Neto naquele país. O pedido foi acatado e a obra do brasileiro traduzida para o idioma sueco e publicada nos jornais de Estocolmo e demais cidades do país, recebendo calorosa recepção e elogios.  

O escritor maranhense não conseguiu levar o prêmio, saindo como vencedor do Nobel de Literatura de 1933, o escritor russo Ivan Bunin, por seu “domínio estrito com o qual ele desenvolve as tradições da prosa clássica russa”. Nenhum dos ganhadores levaram o prêmio em sua primeira indicação, sendo que o brasileiro era pouco conhecido naquela região do mundo e poderia ganhar popularidade a partir de então. Infelizmente nosso conterrâneo falecera no ano seguinte e o Nobel não dá premiação póstuma. 

Coelho Neto na entrevista ao Diário de Notícias, a encerrada desta forma:

“A satisfação intima que eu tive com tão expressivas provas de carinho, vale, para mim, mais que tudo. Sei que não serei premiado. E acho que só o fato de ter sido indicado o meu nome constitui uma honra alta demais para mim”.

Depois de Coelho Neto, mais 25 brasileiros foram indicados ou cotados as diversas categorias do Nobel, mas nenhum conseguindo conquistar a premiação. 


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