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Sílvio Cunha

Caxias, Política e Sociedade

Guerra bacteriológica em Caxias


No meio da semana um fato repercutiu na imprensa nacional e despertou a curiosidade das pessoas, por envolver mais uma vez a figura do nosso presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), quase todo dia envolvido em assuntos bombásticos, polêmicos e, às vezes, até sórdidos. 

A título de homenagear o chefe, o Ministro da Justiça promoveu solenidade em Brasília e distinguiu o comandante da nação com a Medalha do Mérito Indigenista, logo ele que, em 1998, em discurso na Câmara Federal, teceu elogios à cavalaria do exército norte-americano por sua contribuição para o extermínio dos índios dos Estados Unidos no século 19. Em seu entendimento, resolvendo os problemas que o Tio Sam tinha com seus habitantes nativos, principalmente em relação à ocupação de terras recheadas de minérios valiosos que o homem branco colonizador tinha a obrigação de explorar para gerar riquezas.

Escárnios à parte à injustificada homenagem, até porque o governo Bolsonaro nem disfarça que detesta também índio e tudo o mais que está relacionado a esta etnia, mesmo que ainda não tenha incorrido em alguma ação direta para erradicá-los - mas age permitindo larga exploração da floresta Amazônica, onde a grande maioria vive -, a surpresa foi tomar conhecimento de que, aqui em Caxias, já houve protagonismo intencional de extermínio de nossos silvícolas no século 19, precisamente no dia 21 de março de 1815.

A descoberta ocorreu ao folhearmos a edição de Efemérides Caxienses, um grande legado para esses dias contemporâneos e para a posterioridade, do saudoso Arthur Almada Lima Filho. À página 105, o presidente fundador do Instituto Histórico e Geográfico de Caxias (IHGC) assinala que naquele dia e ano de 1815, conforme registro do jornalista, escritor e pesquisador Edmilson Sanches, também membro do IHGC, Caxias se tornara “... detentora de um inimaginável pioneirismo: ser a primeira cidade do Brasil a iniciar uma guerra biológica”.

A obra cita que, na época, chegou à então Vila de Caxias o capitão Francisco de Paula Ribeiro, em viagem de supervisão às fronteiras das Capitanias do Maranhão e de Goiás, mandado por determinação real, sendo que é o próprio oficial que relata o episódio em seu minucioso relatório intitulado “Roteiro de Viagem”, dizendo dos problemas da população local com os índios capiecrãs, aqui conhecidos como “canelas finas”.

Esses índios, segundo informa o capitão, “perpetraram sobre os habitantes de todo o distrito enormíssimas extorsões, furtando-lhe imensidade de gados, matando-lhe as pequenas crias e devorando as roças de mantimentos com tão decisiva destruição que, exasperados, muitos dos referidos habitantes largaram as suas propriedades e fugiram da capitania”.

Disse mais o capitão Ribeiro: “Para ‘evitar sua total ruína’ e para não optar por uma ‘declaração pelas armas’, se pretendeu remediar de um modo o pior de todos”. E a solução cruel adveio de aproveitar uma epidemia de varíola (doença das bexigas) que grassava em Caxias, convidando-se os canelas finas a virem à vila, a pretexto de torná-los “companheiros de uma guerra” contra outros índios, a fim de que se contaminassem e morressem por causa da doença.

O antropólogo Mércio Pereira Gomes, ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), em seu livro Índios do Brasil (1988), destaca que, como os canelas finas prontamente acederam ao convite, aqui ganharam brindes e roupas previamente contaminadas. E assim, contaminados e doentes, logo fugiram para as matas, indo contaminar outros. Os que não morriam passavam a doença para outros, e meses depois a epidemia de bexiga alcançou até os índios de Goiás.

Gomes lembra: “Quando foi descoberta a etiologia das epidemias e sua contaminação, os portugueses e brasileiros não sentiram nenhum escrúpulo em utilizar-se desse conhecimento para promover extermínio de povos indígenas que estavam no seu caminho. Essa mistura mais cruel de guerra e epidemia é que se chama hoje de guerra bacteriológica”.

E pensar que neste momento, quando a Rússia arrasa a Ucrânia, uma nação irmã do grande povo eslavo, levando aos ucranianos uma guerra desproporcional e sem justificativa em pleno século 21, ouve-se falar da possibilidade de uso de armas químicas e de armas bacteriológicas, para vencer o inimigo, isso sem falar que o mundo inteiro está atônito com a possibilidade do conflito evoluir para uma guerra nuclear, entre os Estados Unidos e a Europa contra a Rússia.

A guerra bacteriológica contra os canelas finas, aqui em Caxias, certamente não foi a primeira que aconteceu na história da humanidade, mas é esclarecedora a respeito da vontade, coragem e covardia humanas para subjugar seus semelhantes, quando a própria espécie, por questão de sobrevivência, tem que urgentemente enfrentar problemas inadiáveis, relacionados com economia, alimentação, energia, água, meio ambiente, clima, epidemias e pandemias, a cura do câncer.

Contudo, foi estarrecedor saber que a primeira guerra bacteriológica do Brasil ocorreu no nosso solo natal, levada a cabo pelo conquistador estudado e consciente contra o nativo simplório e ignorante. 


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