A presente seleção de poemas contempla dez nomes de poetas do quadro de membros da Academia Caxiense de Letras [Caxias/Maranhão/Brasil, org. Carvalho Junior].
O homem |Ana Luiza Almeida Ferro
A folha brinca ao sabor da brisa
A folha tremula sob o jugo do vento
A folha cai pelo capricho do vendaval.
A criança não sabe onde pisa
O adulto procura o seu assento
O idoso se esquiva do mal.
É o homem a folha ou o vendaval?
Mãe Nêga |Carvalho junior
depois de dois milênios
debaixo da mesma pedra
que escondia um cascudo
em alto perigo de extinção,
Mãe Nêga dos Cipós acorda.
a pele não lembra de dor.
ferida é apenas um sonho.
toda rija e alta na postura,
toca uma harpa de barro
e sorri em língua estranha.
Mãe Nêga gosta das penas
pardas da saracura-do-mato,
da fogueira de pirilampos
que arde nos seus cabelos.
Mãe Nêga é uma mãe-d’água,
mãe de um mundo em argila,
onde não há calos de mágoa,
onde nascer é muito antigo.
Mãe Nêga cospe nas faces
da morte, dança em roda
a canção do ineterno dia,
parece uma índia mansa,
a mãe negra e humilhada
do poeta Gonçalves Dias.
Mãe Nêga tem peixes
atravessando o corpo
como uma personagem
na tinta de Afarin Sajedi.
— Mãe Nêga, vem me buscar!
— Mãe Nêga, vem me tirar daqui!
Narciso |Edmilson Sanches
Dobrado sobre si mesmo
o poema conversa
com seu melhor
amigo
— um interlocutor
privilegiado:
seu umbigo.
Provinciana |Inês Maciel
Sou provinciana, sou como uma abelha,
E se assim sou, assim gosto de ser…
Sou rústica, sou da terra, sou cabreira,
Mas sou livre em minha forma de viver…
Sou como a chuva que molha o campo,
Sou como a jabuticaba, pau d’arco, jatobá,
Sou como faísca passageira de um relâmpago,
Sou como um bicho, sou do mato, sou de lá…
Sou como uma nuvem que passa errante,
Sobre um entrelaçado de vida abundante
Onde a natureza e a vida são tecelãs…
Mas trago nos olhos o piscar dos vaga-lumes,
E, entranhado na alma, eu guardo o perfume
Das flores silvestres, no alvor das manhãs…
Nascer |Jorge Bastiani
Havia uma criança
De olhos perdidos
Olhando para o nada
Quando o mundo
Explodiu.
A Faca e o Peixe |Naldson Carvalho
a aguçada lâmina,
porte da coação
magnética e
perseguidora alcançou o peixe
enquanto nadava temente
contra a corrente reversa
implantada no mau tempo.
estendido ficou o peixe
na banca com papéis diversos,
esquecido,
mumificado
para um desafio inaceitável,
que,
já tarde que foi vindo,
tão cedo não deve voltar.
Beco sem saída |Quincas Vilaneto
Tirou do bolso
A levíssima pena
E sentou-se
No batente da porta
Para esperar o poema.
Pequenos Inventos |Renato Meneses
(I)
Ventos só vêm com assovios
colher pipira é arte de goiaba madura
criança é mundo sem cancela
e poesia é âmbula dessas coisas.
(II)
Moça de geografia façoila
cintura breve, delgadas pernas
um par de bunda curva e plenitude.
na destreza do seu andar
e olhar um tanto de vaca
promissão de pélvicos bezerros.
(III)
Nesse ensejo de inidôneos homens
no devir de encontrar rípios virtuosos
a lanterna de Diógenes queimou o foquito.
(IV)
No carnaval dos Caetés
bispo Sardinha foi comido
sacrilégio mais insosso!
notadamente, nossa culinária exitosa
é de carne profana: giseles, paes, pitangas
dignas de pantagruel.
[…………………………] |Silvana Meneses
ser
ser a palavra livre
livre arbítrio
eu e deus no abismo.
Último poema |Wybson Carvalho
não há mais página em branco,
para o preto grafite
desenhar o esboço da alma.
a ponta do lápis quebrou
no livro fechado e envelhecido
à história sem ser escrita.
então, ao homem
a arte fora negada
sem ter sido amiga da vida.
Fonte: Literatura e Fechadura
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